Sunday, February 05, 2006

O Museu Virtual do Cartoon, uma iniciativa do Museu Nacional da Imprensa de Portugal, está conduzindo um forum online sobre a questão e expondo as 12 charges. Entre aqui


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PELO SAGRADO DIREITO DE BLASFEMAR
Fritz Utzeri (reproduzido do jornal Montblaat)


A charge acima representa o profeta Maomé com um turbante-bomba. O islã proíbe qualquer imagem de Maomé (aliás, proíbe desenhar a figura humana), para não estimular a idolatria. O jornal dinamarquês Jyllands Posten, o maior do país, publicou essa charge em setembro, reproduzida há pouco por uma revista da Noruega. Os países árabes entraram em polvorosa, embaixadores foram chamados e um clima de Jyhad se estabeleceu, com multidões pedindo castigo para os infiéis, O perigo agora são os atentados terroristas.

Acho a charge de mau gosto, mas a reproduzo na primeira página em nome de um direito, o mesmo princípio que fez vários dos jornais mais importantes da Europa reproduzi-la em suas edições de ontem: A liberdade de consciência e de expressão.

Pessoalmente, acho a charge publicada pelo jornal dinamarquês Jyllands Posten de mau gosto, o profeta Maomé com um turbante-bomba. Nem Maomé nem o Islã – pelo menos o que se lê no Corão – merecem tal citação. Mas o Islã, por motivos aos quais o Ocidente não é alheio nem inocente, acabou por ser interpretado por um viés intolerante e por uma irracionalidade que envergonhariam os seguidores do profeta na Idade Média, quando o farol da civilização era o mundo muçulmano.

Um radicalismo e um fundamentalismo absurdos permeiam hoje o Islã, transformado numa religião que justifica o terrorismo e, mais do que isso, o estimula através de promessas de paraísos e virgens que a ignorância das massas assimila com avidez. Há dias vi na TV uma mãe palestina que se orgulhava dos quatro filhos-bomba que morreram explodindo israelenses. O que dizer do ser humano e da religião que o motiva quando o instinto da maternidade é tão brutalmente corrompido?

Típica foi a reação dos governos árabes, um conjunto de regimes corruptos e absolutistas (com raríssimas exceções): pedir ao governo da Dinamarca que puna o jornal e os autores da charge. Curioso é que essas elites farisaicas, como os xeiques da Arábia Saudita, deveriam conhecer muito bem o Ocidente (onde adoram comprar, beber e fazer tudo o que não fazem – publicamente – em suas terras). A Dinamarca é uma democracia e existe algo que os árabes desconhecem que é a liberdade de consciência e de expressão. Se o jornal tivesse feito uma charge insultando Jesus Cristo, é certo que o Vaticano reagiria com indignação, mas o mesmo princípio de liberdade seria aplicado, ou seja, cada um é livre para expressar o que pensa, livre inclusive para blasfemar e insultar os deuses.

Em nosso mundo cristão, blasfemar levaria alguém à fogueira antes do iluminismo. Hoje é possível xingar a mãe de Jesus e na Itália dizer "Porca Madonna" é uma expressão comum, embora – repito – de mau gosto. Na Bélgica a expressão mais comum de desagrado é dizer Gotferdom não sei se se escreve assim), que significa "Deus seja maldito". Estudei com padres belgas que blasfemavam ligeiramente diferente: Potferdom, ou seja, "O pote seja maldito", trocou-se Deus por um pote, mas a necessidade de xingar permaneceu.

Experimente dizer "Alá seja maldito" num país árabe, na Arábia Saudita, por exemplo. O mínimo que posso imaginar (e se você for estrangeiro) é ficar com as costas em carne viva de tantas chibatadas que vai levar, isso se não for morto pela multidão ou condenado a uma mutilação qualquer por um mulá com cara (e mente) de século 13.

Como disse acho a charge de mau gosto, mas a reproduzo na primeira página em nome de um direito, o mesmo princípio que fez vários dos jornais mais importantes da Europa reproduzi-la em suas edições de ontem. Pena que o número de leitores do Mont seja tão pequeno.

O fanatismo em nome da religião é a pior praga que existe no mundo e infelizmente, o que vemos hoje não são multidões de islamitas fanáticos e esperando a chegada para breve de uma espécie de messias, como o energúmeno que governo o Irã. Deus nos livre de um modo de vida desses tomar conta do mundo.

A tragédia é que o Ocidente tem sua responsabilidade nisso. Desde a humilhação dos povos árabes pelo colonialismo até – recentemente – o despertar do fanatismo religioso, muito fortalecido por movimentos como os Mujahidin, criados, treinados e financiados pela CIA para lutar contra a URSS nos tempos da guerra fria. O próprio Bin Laden é um exemplo disso, de criatura dos norte-americanos passou a seu maior algoz (se é que a história está bem contada...).

O mais trágico é que os palestinos que, junto com os libaneses, constituíam os povos mais educados entre os árabes foram brutalizados pela política de Israel e do Ocidente, expulsos de suas terras, cercados de colônias, vivendo como párias em suas próprias terras, tudo isso tornou os palestinos presa do radicalismo islâmico de organizações como o Hamas. E o pior é que essa guerra insensata se trava entre dois "povos do livro" (termo pelo qual os muçulmanos tratam as três religiões que derivam de Abraão: o judaísmo, o cristianismo e o islã) que acreditam na retribuição, isto é, na lei de Talião, do olho por olho e quando uma crença absurda dessas se impõe não há solução possível, a não ser a prevista por Ghandi: Todos acabarão ficando cegos.



New York On Time reproduz os 12 cartoons:

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Aqui nos Estados Unidos só a rede de TV ABC mostrou um dos cartuns. O resto da mídia, inclusive os jornais, não publicou. As charges só podem ser encontradas na Internet, assim mesmo só em sites europeus. O Governo Bush considerou os cartuns ofensivos mas defendeu a liberdade de expressão. No sábado, condenou a destruição das embaixadas da Dinamarca e da Noruega em Damasco.
Em Gaza, um imã pediu que os responsáveis sejam decapitados. Já há ofertas de recompensa no Paquistão pela execução deles. E propostas de que as mãos dos cartunistas sejam decepadas.
Na Dinamarca, muçulmanos moderados estão se manifestando para defender a liberdade de expressão e mostrar que o islamismo não é intolerante como os fundamentalistas gostariam que fosse.
Tudo começou em setembro quando um escritor dinamarquês revelou que estava tendo dificuldade para encontrar um artista que aceitasse ilustrar um livro para crianças sobre o profeta Maomé, por temor a represálias dos fundamentalistas, que tentam impor seus tabus nos países europeus que abrigam populações muçulmanas (recentemente eles mataram o jornalista Theo Van Gogh na Holanda).
O editor de arte do jornal Jyllands Posten (a última charge é uma gozação a ele: mostra o editor de turbante com o lema "PR stunt", ou seja, golpe publicitário) resolveu então propor um desafio à associação dos cartunistas, encomendado charges sobre Maomé. Recebeu e publicou 12 charges. A publicação foi apresentada não como uma ofensa aos muçulmanos, mas como um exercício da liberdade de expressão. O editor argumenta que nenhuma religião tem o direito de impor seus tabus ao público. O editor-chefe do jornal se recusa a pedir desculpas. Mas diz que se imaginasse que a reação seria tão violenta, não teria publicado as charges.
O governo dinamarquês também se recusa a pedir desculpas, por considerar que isso seria uma restrição à liberdade de expressão. A Dinamarca é considerada o país europeu onde a liberdade de expressão é mais irrestrita.
O caso cresceu depois que líderes religiosos muçulmanos da Dinamarca, diante da recusa do governo em pedir desculpas, fizeram um tour por países muçulmanos levando não só as charges publicadas como outras, muito mais ofensivas (numa delas Maomé aparece como pedófilo) e pedindo represálias contra os dinamarqueses. Vários países, como Arábia Saudita e Kuwait, impuseram boicote aos produtos dinamarqueses, inclusive insulina, o que deixa os diabéticos árabes em situação complicada. A Liga Árabe e organizações muçulmanas estão pedindo à ONU sanções contra a Dinamarca. Os líderes do Hamas propõem atentados contra dinamarqueses.
A decisão de vários jornais europeus de publicar as charges esta semana em solidariedade à Dinamarca acirrou ainda mais os ânimos. Bandeiras de Israel, e não só da Dinamarca, foram queimadas em cidades do mundo islâmico e até comunidades cristãs foram ameaçadas.
É um replay do que aconteceu quando o escritor Salman Rushdie foi condenado à morte pelo aiatolá Khomeini por ter escrito uma sátira que envolvia um personagem que poderia ser interpretado como sendo Maomé, no livro Os Versos Satânicos. Rushdie viveu durante anos escondido, protegido pela polícia britânica. Editores, livreiros e tradutores do livro foram atacados, e um tradutor foi morto no Japão.
A Dinamarca tem uma orgulhosa tradição de coragem cívica e independência. Mesmo sob ocupação alemã durante a Segunda Guerra, os dinamarqueses se recusaram a adotar as leis anti-semitas dos nazistas e os judeus dinamarqueses não tiveram que usar a estrela de David amarela imposta nos outros países ocupados, nem foram levados para os campos de extermínio. Correu até a lenda de que o Rei Cristiano X usava a estrela de David para se solidarizar com os judeus, mas é lenda. O fato é que os dinamarqueses, na maioria luteranos, diziam "somos todos judeus" para se solidarizarem com a minoria perseguida pelo nazismo (e agora pelos fascistas que sequestraram o islamismo). Do mesmo modo, está na hora de dizermos "somos todos blasfemos", para defender o direito de publicar charges que ridicularizem qualquer religião. A liberdade de religião inclui a liberdade de não ter religião e de falar mal da religião alheia. Sem represálias, vandalismo, mutilações, decapitações e atentados homicidas (e não "suicidas" como são chamados).

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