Monday, October 03, 2005



Algo de Podre no Reio de George W. (2)

Para acompanhar os escândalos de corrupção no governo Bush, a melhor leitura não é a imprensa chamada "liberal" (The New York Times, The Washington Post, etc) e sim a revista conservadora, assumidamente de direita, Weekly Standard, de propriedade de Rupert Murdoch. Não há espaço aqui para contar os detalhes revelados na matéria de capa do último número da revista, então recomendo aos interessados correr ao website da revista (http://www.weeklystandard.com/) para baixar a matéria Scandal Season, à qual em breve só os assinantes terão acesso.

São 11 páginas, contando como veio à tona um dos muitos casos de corrupção que respingam no ex-líder da maioria na Câmara, o todo-poderoso texano Tom DeLay. O repórter Matthew Continetti conta o que as investigações dos promotores e do Congresso já descobriram sobre a dupla Jack Abramoff e David Safavian.

Abramoff é um dos mais ricos lobistas de Washington, amigo íntimo de Tom DeLay, e está sendo investigado há um ano e meio. Já foi indiciado em pelo menos um caso de fraude contra tribos indígenas que são clientes dele, e vem mais por aí. Safavian, graças à influência de Abramoff, foi nomeado por Bush para chefiar o órgão que supervisiona as compras do governo federal, movimentando 300 bilhões de dólares por ano. Safavian mentiu aos investigadores sobre seus negócios com o amigo lobista, e por isso foi preso em 20 de setembro. Está sendo pressionado a abrir o jogo e contar tudo.

É uma história fascinante nos detalhes, que incluem bocas-livres como uma viagem à Escócia para jogar golfe, a convite do lobista, da qual fizeram parte Safavian e alguns deputados, ao custo de 100 mil dólares. Tom DeLay, entre outras coisas, é acusado de participar de uma dessas viagens, um "presente" que como deputado não poderia aceitar.

David Safavian na capa do Weekly Standard


Mais interessante é outra história envolvendo Abramoff, mas esta é um quebra-cabeças que ainda não vi ser bem contado em nenhum lugar. Juntando os pedaços aqui e ali, o caso é o seguinte:

Jack Abramoff, que tem 41 anos, era um "jovem republicano" nos anos 80, quando Ronald Reagan levou os EUA a darem uma violenta guinada para a direita. Militou no grupo dos "universitários republicanos". Depois tentou sem sucesso ser produtor de cinema em Hollywood e acabou voltando a Washington, nos anos 90, para trabalhar como lobista.

Logo, Abramoff despontou como um lobista de talento, graças a seus contatos no partido republicano, que passou a dominar o Congresso em 1994. Os clientes mais lucrativos de Abramoff eram as tribos indígenas que, por lei, são autorizadas a operar cassinos. Ao longo dos anos, o lobista recebeu mais de 80 milhões de dólares para defender os interesses das tribos. Parte do dinheiro foi parar no financiamento de campanha de deputados e senadores que ajudaram a aprovar leis e emendas favoráveis ao jogo.

Além disso, Abramoff e seu discípulo lobista, David Safavian, 38 anos, conduziram uma bem sucedida campanha para impedir que o Congresso proibisse o jogo pela Internet. Hoje as apostas online movimentam bilhões de dólares.

Os dois tinham outros clientes: o "rebelde" angolano Jonas Sawimbi; ditaduras como o Paquistão e a Malásia; conglomerados russos; Pascal Lissouba, o corrupto ex-presidente da República do Congo; e outros interessados em comprar acesso privilegiado a parlamentares poderosos como Tom DeLay. O sucesso de Abramoff como o mais "conectado" lobista de Washington decolou com a a eleição de Bush em 2000.

Tudo ia muito bem, mas surgiu uma pedra no meio do caminho, que agora ameaça derrubar todo o esquema. Uma história que envolve uma turma de mafiosos pé-dé-chinelo.

Jack Abramoff tem outro amigo dos tempos dos "jovens republicanos", Adam Kidan, de Nova York. Kidan começou no ramo de alimentos e logo se aproximou do mafioso Anthony "Big Tony" Moscatiello, da família Gambino, que trabalha no mesmo ramo e deu uma mãozinha ao jovem amigo. Uma amizade que não foi muito feliz para a mãe de Kidan, Judith Shemtov.

Em 1993, uma turma de mafiosos arrombou a casa de Judith, em Nova York. Alguém deu a eles a informação de que o marido dela, Sami, tinha 200 mil dólares guardados num cofre. Judith estava em casa e foi morta pelos mafiosos, que fugiram sem o dinheiro. Foram presos e estão cumprindo pena. Sami Shemtov, o padrasto de Kidan, acabou processando o enteado por ter lhe tomado 250 mil dólares, mas nunca viu a cor do dinheiro. Depois disso, Kidan investiu numa revenda de colchões, pediu concordata e levou milhões de dólares.

O amigo Jack Abramoff achou um bom negócio para Adam Kidan investir seus milhões: uma empresa da Flórida, a SunCruz, dona de uma frota de 11 barcos-cassino (no estado só é permitido jogar fora do mar territorial). O dono da empresa era o grego Konstantino "Gus" Boulis, um bem-sucedido empresário de Fort Lauderdale, dono de uma rede de lanchonetes, a Miami Subs. Acontece que a lei não permite que um estrangeiro seja dono de navios de bandeira americana. Boulis foi obrigado a vender a SunCruz.

Boulis fez um acordo com o Departamento de Justiça para manter o problema dele em segredo, e foi procurar ajuda em Washington, com o lobista Abramoff. Kidan e Abramoff se associaram em 2000 e compraram a empresa de Boulis, deixando o grego com 10 por cento. Mas não desembolsaram um tostão. Forjaram uma transferência eletrônica de 23 milhões de dólares, com a cumplicidade de Boulis, e assim convenceram dois bancos a emprestar mais 60 milhões para fechar o negócio.

Rapidamente a dupla passou a saquear os cofres da SunCruz. Boulis acabou entrando na justiça contra os dois, apresentando uma lista de gastos absurdos: Abramoff e Kidan recebiam 500 mil dólares por ano, cada um, de salário; compraram uma lancha por 90 mil; uma Mercedez Benz blindada, por 207 mil; um camarote de luxo no estádio de futebol de Washington, para o qual parlamentares eram convidados, por 310 mil dólares. E por aí vai. A briga entre o grego e a dupla Abramoff-Kidan chegou às vias de fato. Boulis e Kidan trocaram socos em dezembro de 2000.

No fim da tarde de 6 de fevereiro de 2001, Gus Boulis saiu do escritório em Fort Lauderdale ao volante de sua BMW. O carro foi fechado por outros dois e o grego executado com um tiro na cabeça.

Passaram-se quatro anos e meio, e na semana passada a polícia de Fort Lauderdale finalmente anunciou a prisão de três mafiosos acusados de matar Boulis: Anthony "Big Tony" Moscatiello, o amigo de Kidan, preso em casa em Nova York; Anthony "Little Tony" Ferrari e James Fiorillo, presos na Flórida. A juíza não aceitou o pedido dos advogados para que os três fossem soltos sob fiança.

Adam Kidan jura que não tem nada a ver com a morte de Boulis. Mas, pouco antes do assassinato, a SunCruz pagou, a Big Tony e Little Tony, 250 mil dólares por serviços de "consultoria no ramo de alimentos". Os investigadores não encontraram provas de que esses "serviços" tenham sido prestados.

Por enquanto nem Kidan nem Abramoff foram indiciados na morte de Boulis. Mas os dois irão a julgamento, em janeiro, por terem forjado o documento que induziu os bancos a emprestarem dinheiro para comprar a empresa de cassinos. Aliás, pouco depois do assassinato de Boulis a SunCruz pediu concordata e a frota de barcos-cassino hoje pertence a outra empresa.

Essa história acaba de vir à tona. A imprensa americana mal começou a arranhar a superfície de todos esses casos entrelaçados. A impressão que se tem é de que, uma vez puxado o primeiro fio, toda a rede de negócios escusos e crimes será exposta. Um dos maiores interessados é o senador John McCain, que preside a comissão que fiscaliza os cassinos indígenas, tem uma relação de amor-e-ódio com Bush, e é um homem íntegro, até onde se sabe.

A Casa Branca não está envolvida em nada disso. Mas Tom DeLay e outros parlamentares republicanos estão. Dificilmente o caso Abramoff irá respingar em George Bush. Mas outra investigação paralela pode se tornar o Watergate de Bush. É a devassa, por um promotor especial, sobre a revelação à imprensa do nome de uma agente da CIA, Valerie Plame, em 2003. A Casa Branca queria se vingar do marido dela, o embaixador Joe Wilson, que revelou a mentira contida num discurso de Bush ao Congresso, no qual o presidente acusou Saddam Hussein de comprar urânio de um país africano.

O grande suspense do momento em Washington é: será que o promotor Patrick Fitzgerald vai acusar alguém na Casa Branca de ter passado aos jornalistas a identidade de Valerie, o que é crime? Da investigação, que levou à cadeia por três meses a repórter Judy Miller, do New York Times, por ter protegido a identidade confidencial de sua fonte, já veio a público que os principais assessores de Bush, Karl Rove, e do vice-presidente Dick Cheney, Scott Libby, falaram com vários repórteres sobre Valerie. Mas para indiciá-los é preciso provar que tinham a intenção de tornar público o nome da espiã.

Se Rove e Libby forem indiciados - e talvez condenados - Bush pode sair chamuscado. Todos esses personagens - Abramoff, Kidan, Safavian, Big Tony e Little Tony, Rove e Libby - poderão estar sendo julgados poucos meses antes das eleições para o Congresso em novembro do ano que vem. Na oposição, os democratas estão salivando com a possibilidade de faturar em cima desses escândalos e recuperarem a maioria na Câmara e no Senado. Ou, quem sabe, tudo acabará no ramo de alimentos, em pizza ou hamburguer.

Jack Abramoff

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