Friday, September 30, 2005

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Algo de podre no reino de George W.
Jorge Pontual

O indiciamento do líder do partido republicano na Câmara Tom Delay é só a pontinha do iceberg. Delay é acusado de conspirar para violar a lei eleitoral do Texas. No estado é proibido o financimento de campanha eleitoral por empresas. Delay é acusado de armar um esquema de lavagem pelo qual as empresas doavam ao comitê nacional do partido, o que é legal, e o dinheiro era em seguida dividido entre os candidatos a deputado estadual no Texas. Se for condenado, perde o mandato e pode pegar dois anos de prisão. Por ter sido indiciado, mesmo que seja inocente, teve que se afastar da liderança da maioria. Mas em vez de substitui-lo, o presidente da Câmara, o republicano Dennis Hastert, contemporizou. Aceitou o afastamento temporário de Delay.

Apelidado de "o martelo", Delay fez muito mais do que o crime pelo qual é acusado. Conseguiu mudar a divisão distrital do Texas, uma manobra que aumentou o número de deputados republicanos na Câmara. Concentrou pessoalmente as doações dos lobistas dos grupos empresariais ao partido republicano, ou seja, passou a decidir para que candidatos, em todo o país, vai o dinheiro. Um clientelismo de primeiro mundo. Resultado, num Congresso onde não existe a instituição da "fidelidade partidária", cada um pode votar como quer, Delay conseguiu manter a bancada republicana na rédea curta, empurrando goela abaixo todo o pacote legislativo de George Bush. Isso levou à adoção de absurdos como os vários cortes nos impostos que levaram o governo federal a um déficit recorde; leis na área da saúde que beneficiam os seguros de saúde, as redes hospitalares e as companhias farmacêuticas; leis na área de energia que multiplicaram os lucros das empresas do setor e revogaram antigas regras de proteção do meio-ambiente. A lista é interminável e inclui o corte de gastos na renovação dos diques de Nova Orleãs, causa da inundação e destruição da cidade.

O controle do partido republicano sobre as duas casas do Congresso, além da Casa Branca, criou em Washington um clima de vale tudo no qual os grupos de interesse, representados por lobistas que controlam o financiamento das campanhas eleitorais, conseguem impor ou mudar projetos de lei e garantir que seus objetivos sejam sempre vitoriosos. Mas graças a investigações de promotores zelosos com a coisa pública, de repente a festa acabou.

O mais poderoso lobista, Jack Abramoff, está sendo investigado por várias acusações de ilegalidade no relacionamento dele com parlamentares. Abramoff é muito ligado a Tom Delay - são praticamente sócios no grande negócio que virou a política na capital americana.

A investigação em torno das conexões de Abramoff já levou ao golpe mais duro à corrupção no governo Bush: a prisão de David Safavian, um lobista de 38 anos indicado por Bush para chefiar a agência responsável por todas as compras do governo federal, movimentando 300 bilhões de dólares por ano. Safavian foi preso por ter mentido aos promotres na investigação sobre seu amigo Abramoff. Preferiu ir para a cadeia, em vez de entregar o esquema. Mas dá para imaginar o que deve ter rolado, num cargo que controla mais dinheiro do que o PIB de muitos países somados. Safavian, é claro, não tinha nenhuma experiência anterior nessa área. Foi nomeado simplesmente por ser amigo de Abramoff e Tom Delay.

O fato é que Bush nomeou para cargos chave na administração federal gente sem qualquer qualificação, simplesmente por serem lobistas ou indicados por lobistas, ou terem conexões políticas com o próprio Bush e outros políticos republicanos. Isso levou ao desastre do salvamento (ou não salvamento) das vítimas do furacão Katrina. O chefe da defesa civil federal, Michael Brown, era um cupincha de um cupincha do presidente cuja única experiência profissional foi como juiz de exposições de cavalos árabes, trabalho (?!) do qual acabou sendo afastado por incompetência. Brown já renunciou ao cargo, mas para as centenas de pessoas (quase todas negras) que morreram abandonadas pelas autoridades em Nova Orleãs, é um pouco tarde.

O mesmo acontece na agência responsável pela aprovação e controle de remédios. Bush nomeou para um dos principais cargos nessa agência, a Federal Drug Administration, um certo Scott Gottlieb, 33 anos, que antes fazia uma newsletter aconselhando os investidores de Wall Street sobre a compra de ações de companhias farmacêuticas. É como nomear a raposa para tomar conta do galinheiro. Mas essa é exatamente a regra no governo Bush.

Há tantos outros exemplos gritantes de clientelismo e conflitos de interesse, que se fosse no Brasil certamente o Congresso teria aberto uma CPI, mas nos Estados Unidos o controle do partido republicano sobre os três poderes (inclusive o Judiciário, agora sob o controle do conservador John Roberts) garante que isso não vai acontecer. Um promotor do Texas conseguiu convencer um júri a indiciar Tom Delay mas nada indica que o judiciário leve a investigação adiante.

Em mais um escândalo, o órgão que supervisiona o mercado de ações está investigando o outro líder republicano, o do Senado, Bill Frist, suspeito de ter usado informações confidenciais na venda de ações.

Frist cultiva a imagem de "good doctor", o bom médico no qual todos podem confiar. É apontado como possível sucessor de Bush na presidência. Só que Frist é multimilionário porque a família dele é dona de um dos maiores impérios hospitalares e de seguros de sáude dos Estados Unidos, a HCA, Hospital Corporation of America. Nem por isso Frist deixou de votar, e decidir como líder, a aprovação de leis recentes na área de saúde que beneficiaram enormemente as empresas da família.

Quando foi eleito senador, Frist botou as ações dele da HCA num "blind trust", um fundo ao qual teoricamente ele só terá acesso quando deixar de ser senador, e que ele não poderia controlar. Mas isso é balela. O próprio Frist admitiu que mandou vender todas as ações da HCA que possuía, segundo ele para que parassem de acusá-lo de conflito de interesses. Só que o bom doutor fez isso duas semanas antes que as ações da HCA despencassem na bolsa de valores. O SEC, a comissão que controla o mercado de ações, desconfia que Frist se beneficou de informação confidencial, ou seja, soube pela família que a empresa iria anunciar uma queda no faturamento, o que derrubaria o preço das ações, e por isso vendeu tudo às pressas, quando as ações da HCA estavam no valor máximo. O bom doutor nega. Mas a suspeita manchou ainda mais a imagem do partido republicano.

O interessante é que até entre os conservadores está surgindo uma onda de indignação com a corrupção que tomou conta do governo federal. Afinal, nem todo republicano é desonesto. Se isso vai mudar alguma coisa, ou terminar em pizza, ou hot dog, é o que veremos.

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