Thursday, August 25, 2005

Luis de Camões

Há exatamente 410 anos, em 1595, foram publicados os sonetos de Camões, 15 anos depois da morte do poeta. Seguem cinco sonetos, ilustrados por pinturas mais ou menos contemporâneas (clique em cada imagem para ver ampliada), quadros que Camões certamente nunca viu - porque não viajou pela Europa, e sim pelas Índias, mas que têm algo a ver com a arte refinada e lúcida do nosso poeta.
É um atestado da vitalidade da nossa língua poder ler estes poemas como se tivessem sido escritos hoje, sempre tão perfeitos, cheios de inteligência e humanidade.

Como trilha sonora, um trecho das Vésperas da Beata Virgem de Monteverdi, 1610: Nisi Dominus.

Bruegel, A Queda de Ícaro, 1558

Bruegel, Babel, 1563

Soneto 2

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Ticiano, Vênus de Urbino, 1538

Ticiano, Danae, 1514

Soneto 4

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem perde, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Ticiano, Amor Profano, detalhe de Amor Sagrado e Amor Profano, 1514

Caravaggio, Amor, 1601

Soneto 45

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve...) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Bruegel, Ceifadores, 1565

El Greco, Toledo, 1597

Soneto 91

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos; e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Ticiano, Mulher ao espelho, 1515

Ticiano, Bacanal dos Andrianos, 1525


Soneto 142

Eu cantei já, e agora vou chorando
O tempo que cantei tão confiado;
Parece que no canto já passado
Se estavam minhas lágrimas criando.
Cantei; mas se me alguém pergunta quando,
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
Que o passado por ledo estou julgando.
Fizeram-me cantar, manhosamente,
Contentamentos não, mas confianças;
Cantava, mas já era ao som dos ferros.
De quem me queixarei, que tudo mente?
Meu eu que culpa ponho às esperanças,
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

Ticiano, As Três Idades do Homem, 1514

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