Wednesday, June 22, 2005

A CIDADE E O COSMOS

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Lee Smolin é um físico americano que agora é professor no Perimeter Institute no Canadá. Um dos livros dele, A Vida no Cosmos, é um dos melhores textos de ciência que eu já li. Segue o final do livro (que tal acompanhar com a Rapsódia em Blue do Gershwin?):

A velha imagem do universo Newtoniano era um relógio: pesado, insistente, estático; nesta metáfora sente-se a mão de ferro do determinismo e, por trás dela, a ameaça de que o relógio enguice. Ademais, esta sempre foi uma imagem religiosa pois o relógio exige o relojoeiro, que o construiu e pôs para funcionar. Contra isso, gostaria de propor uma nova metáfora para o universo, também baseada em algo construído por seres humanos.

Fui levado a concluir este livro aqui, na melhor cidade do planeta, meu primeiro lar. Algumas semanas atrás saí para andar, procurando uma metáfora para terminar este livro, uma metáfora para um universo construído não por um relojoeiro fora dele mas por seus elementos num processo de evolução, ou talvez de negociação. De repente percebi que, em sua infinita diversidade e variedade, o que eu amo na cidade é exatamente o modo como ela espelha a imagem do cosmos que estou tentando botar em foco. A cidade é o modelo; estava ao meu redor, o tempo todo.

A metáfora do universo que estou tentando agora imaginar, contra a imagem do universo como relógio, é a imagem do universo como uma cidade, uma negociação sem fim, uma construção infinita do novo a partir do velho. Ninguém fez a cidade, não há um fazedor-de-cidade, como há um relojoeiro. Se a cidade pode se fazer sozinha, sem um criador, por que o mesmo não pode ser verdade com o universo?

Além disso, a cidade é um lugar onde a novidade pode surgir sem violência, onde podemos imaginar um processo contínuo de melhoria sem revolução, e onde não precisamos respeitar nada acima de nós mesmos, e sim estamos continuamente confrontados uns com os outros como criadores do nosso mundo compartilhado. Todos nós a fazemos, não apenas um, e somos dela, e ser dela e ser um dos seus criadores é a mesma coisa.

Assim, nunca houve um Deus, um piloto que fez o mundo impondo a ordem ao caos e que permanece de fora, vigiando e prescrevendo. E Nietzche também morreu. O eterno retorno, a eterna morte do calor, não ameaçam mais, eles nunca virão, nem virá o paraíso. O mundo sempre será aqui, e será sempre diferente, mais variado, mais interessante, mais vivo, mas ainda assim sempre o mundo em toda a sua complexidade e incompletude. Tudo que existe na Natureza está em torno de nós. Tudo que existe do Ser é relação entre coisas reais e sensíveis. Tudo que temos da lei natural é um mundo que se faz sozinho. Tudo que podemos esperar da lei humana é o que podemos negociar entre nós, e o que tomamos como nossa responsabilidade. Tudo o que podemos ganhar de conhecimento deve vir do que vemos com nossos próprios olhos e o que os outros nos dizem que viram com seus próprios olhos. Tudo o que podemos esperar da justiça é compaixão. Tudo o que é possível da utopia é o que fazemos com nossas próprias mãos. Reze para que seja o bastante.


New York, 1997

Lee Smolin

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